sábado, 7 de novembro de 2020

Pequena Crônica - Valete de Ouros - 7 de Novembro de 2020

 

Pequena crônica – Valete de Ouros

 

Minha insônia marcou presença na eterna batalha com meu complexo sono mais uma vez. Desinteressado em saber da hora do acontecimento, procurei evitar o relógio  e as horas do momento. Silêncio. Sombras. Breu. Silêncio que é quebrado pelos latidos de meu cachorro no quintal a fora. Provavelmente o cãozinho vê fantasmas que insistem em cruzar o habitat do cachorrinho. Aqui dentro de casa todos dormem, menos eu. A insônia é minha companheira de longa data. Fico divagando por horas a fio, começo a lembrar de fatos ocorridos no dia anterior, na tarde anterior. Neste momento de total falta de sono. Lembro que emiti opinião contrária a um ocupante de uma fila do banco e houve breve desentendimento de parte a parte. Ainda nas lembranças do dia anterior veio a mente a cena do vendedor de água, do homem que dava milho aos pombos na praça pública, do estafeta de uma estatal suando em bicas e percorrendo velozmente as ruas afim de entregar todas as correspondências que enchiam suas duas mãos. Eu ainda rememorei o agente de saúde pública que visitava pontualmente a casa dos necessitados de seus serviços. A falta de sono e a introspecção seguem agora para cenas de um passado mais distante deste presente, volto a cenas de minha infância, lembro de fatos banais do passado: um passeio de domingo, um almoço na casa de parentes, a viagem para um lugar distante. Veio em minha memória cheiros, paladares, imagens, lembranças.

As horas avançam, as primeiras luzes do dia dão o ar da graça e finalmente saio desta batalha insana com a insônia. Saio da minha estaticidade e vou perambular pelas ruas da urbe ladeado pelo meu fiel escudeiro, meu cachorro SRD.

As ruas das cercanias estão sitiadas por vendedores, mascates, pregoeiros e clientes necessitados de coisas desnecessárias. Há o vendedor de fígado, o vendedor de hortifrutigranjeiros, o vendedor de picolés e os cambistas do jogo do bicho que vendem a sorte ilusória dos vinte e cinco animais.

Passo pela colina histórica onde outrora passava o trem de passageiros. Da ponta do morro vislumbro os trilhos paralelos carcomidos pela ferrugem da inatividade. Fico a imaginar quantas pessoas passaram por aquele trajeto demarcado e limitado do trem! Quantas almas ali passaram?! Quantas almas que ali passaram já desencarnaram? Quantos estão por ali procurando o rumo do seu passado?

Sigo meu itinerário incerto pelas tortuosas ruas e alamedas da urbe, passo rente a calçada da cadeia pública onde da grade, um encarcerado me solicita penosamente um cigarro pra saciar seu vício tabagista. De pronto, atendo o pedido do infeliz. Mas adiante alcanço o frontispício do campo santo que reflete fortemente a luz do sol desta hora da  manhã, minhas retinas gastas reclamam o excesso de luz refletida e eu me apresso em sair dali. Sigo em frente e a alguns mais passos a frente observo no chão de um terreno baldio uma carta de baralho com a face voltada pra cima. A carta é um valete de copas. Uma carta jogada ao leu, uma simples carta mas que talvez tenha algum significado para mim. O que ela trás pra mim neste momento? Uma possível sorte no jogo ou noutras circunstâncias quaisquer? Não sei dizer ao certo, só sei que eu de imediato mudei a rota de minha caminhada aleatória e fui em busca da casa de jogo mais próxima, lá adquiri vários bilhetes da loteria federal! Quem sabe aquela carta de baralho aleatória não era um presságio que minha sorte estaria no jogo?

Volto para casa na ilusão do jogo ou de outra coisa qualquer. No tugúrio todos estão de pé, bem diferente da cena que eu deixei a cerca de uma hora atrás, agora todos estão prontos para saírem em busca de suas obrigações e afazeres vários. Após a saída de todos, eu quedo na solidão de minhas introspecções, acompanhado apenas de meu cachorro vira latas e de meus fantasmas que me perseguem desde sempre.

Um comentário:

  1. Estou aqui imaginando, será que ele fez esta caminhada pelas ruas ou foi só no pensamento! Acho que foi só pensamento, pois se chegou em casa quando tudos saiam para suas obrigações, não deu tempo de passa na loteria e preencher um bilhete.

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