terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Crônica de Airton Monte


Eis a crônica de virtuoso intelectual cearense Airton Monte que foi publicada no jornal O POVO no dia 5 de Março de 2009.


A morte da mãe


Meu compadre Chico Newton está sofrendo uma dor horrível, aquela dor das inenarráveis que a gente sente quando perde a mãe e que nos reduz, de forma tão cruel, à desamparada condição de órfãos. E quando já nos tornamos órfãos, quando adultos, a dor da orfandade nos fere fundo e mais profundo. Sei muito bem disso porque já vivi tal condição e que me foi supremamente difícil superá-la. Jamais senti uma dor afetiva tão por demais excruciante que chega a ser física, orgânica como uma doença terminal e na casa do sem jeito. E palavras de nada adiantam nesta hora, ficam vazias e sem nenhuma serventia.

Quando minha mãe morreu, depois de uma longa doença que me parecia interminável, eu estava de plantão no hospital e foi a voz trêmula e chorosa de minha mulher que me contou. Entanto, não sei como consegui até hoje, mantive-me em uma calma frieza, atendi o resto dos pacientes que ainda me esperavam e fui ao cemitério para ver como estavam as coisas. E ao ver a minha mãe ali morta no caixão, somente com a ajuda de uma benvinda garrafa de uísque, consegui voltar pra casa, pegar a máquina de escrever e datilografar a crônica do dia como se estivesse em um estado sonambúlico.

Ao depois que tudo passa, pelo menos parcialmente, após o enterro, as condolências vãs, o aconchego familiar, sobre nós se abatem as velhas culpas que até já havíamos esquecido: por que não tentei ser um filho melhor, não lhe dei mais carinho, não lhe perdoei alguns erros, que agora se me parecem tão inúteis? Entanto, agora já é demasiado tarde para voltar agras porque tudo acabou e a mãe é morta. E estamos simplesmente, doloridamente órfãos, sem mãe e isso é tudo que ora importa. Filhos são assim, um amontoado de culpas que jamais se dissolvem, se desmancham no ar. Ficam em nós, entranhadas feito uma unha encravada e doem.

É, esse negócio de morte de mãe é mesmo, sempre uma barra pesada, mesmo que você goste mais do pai do que da mãe. Dizer que as mães não tinham o direito de morrer, todo mundo sabe que não passa de uma mera e banal figura de retórica que a gente repete, quando em vez, pra se consolar da perda, porque a mãe, por pior madrasta que tenha sido em vida, continua sendo mãe e aureolada por uma aura de sagrado. Toda vez que quero rever a minha mãe, não vou ao cemitério, vou à casa de meu pai. É ali que seus gestos estão impressos, seus risos estão impressos, suas dores estão impressas, indelevelmente.

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