Um Espírito além do Meu
Desde o dia em que arrumei uma colocação como redator de uma
crônica semanal no jornal sofro um desgaste angustiante para executar
minha e cumprir a periodicidade
contratual . Os editores chefes são impiedosos
cobradores, menos pela qualidade, mais pela quantidade e pontualidade. Parece
que nesta semana minha máscara cai! Sim explico, é por que a grande maioria, ou quase todas as
minhas crônicas não eram escritas por mim, mas por um tio meu , habilidoso com
as letras de Camões e que me entregava de bandeja seus textos e eu sem remorso
nenhum assinava como minhas! . Esse meu parente é um ser bastante esquisito.
Solteirão convicto, celibatário, ermitão e beberrão, um inveterado! A sua
habilidade de escrever vem de longas datas, sempre gostou de Literatura e de
escrever, construiu ao longo dos anos uma vasta biblioteca dos maiores
escritores universais. Diferente de mim que só possuo duas ou três
enciclopédias e outros almanaques! Mesmo
sendo ele uma personalidade difícil de se lidar, eu conseguia arrancar dele meu
“material autoral”. Ela fazia um pouco de cena, mas no final cedia em favor do
sobrinho! Essa era uma forma de satisfazer seu ego mesmo não recebendo ele os
créditos elogiosos( se bem que eles eram tão escassos!). Só que para minha
infelicidade, esta semana, o meu guru decidiu fazer uma viagem de cunho
religioso para a cidade de Bobaim,
duraria esta jornada uma semana, exatamente o período de entrega dos meus
escritos ao jornal, fiquei num mato sem cachorro.
Agora fico na obrigação de escrever de próprio punho sem a
ajuda do guru. Saio de casa em busca de um pouco de inspiração, passeio pelas
alamedas da cidade observando os transeuntes na intenção de pinçar algo! Nada
me anima. Nada me inspira! Na viela dos
Tabajaras encontro um velho amigo que não via a tempo, É o Gilson Borges, um
literato descendente de portugueses e contraparente de Camões, segundo
informações dele. Gilson estava voltando de uma turnê por terra de Além Mar,
passara dois anos na terrinha de seus ascendentes! Falara de Portugal, de como
seu país estava diferente, falou também que nesse período esteve a escrever um
romance que pretendia publicar em três meses, aqui no Brasil! Conversávamos
sobre literatura, basicamente. Falávamos
sobre os clássicos escritores
europeus:Dostoiéviski, Maiakovski, Proust, Anatole France, Emilly Zola, falou
de Victor Hugo e Julio Verne, Com bastante propriedade ele citava cada
característica desses autores, e eu só citava fatos enciclopédicos sobre eles,
fatos desnecessários como o local e data de seus nascimentos. Após esse embate
que demorou três quarto de hora, nos despedimos e tomos nossos rumos.
As horas avançaram e o prazo de entrega da minha crônica ao
jornal está quase no fim, preciso escrever qualquer coisa , qualquer
incoerência, algo até ininteligível ! Sento na frente da máquina de escrever, a
folha em branco, a falta de ideias, não sai nada, meu quengo está oco. o
relógio continua avançando as horas constantemente. Num maquinismo começo a
dedilhar as teclas do QWERT , saem só incongruências, banalidades, períodos sem
nexos, inversões de orações subordinas, uma sintaxe vagabunda. Mas de repente,
como num passe de mágica tudo mudou para o meu lado, as ideias se acertaram, o
texto começou a fluir, meus dedos percorriam
rapidamente todas as letras numa rapidez sincronizada, não sei bem explicar
de onde vinha essa inspiração, confesso que parecia que não era eu ali, a construir tais períodos. Parecia que haviam
um espírito além do meu, ditando aquelas palavras do além como uma psicografia
sobrenatural enchendo folhas e folhas de bom texto,
Missão cumprida no exato momento que o Graham Bell toca
estridentemente na sala de visitas, do outro lado da linha o editor chefe do
matutino cobrando a minha dívida textual para com ele. Afirmo que em questão de
minutos ela estará no seu correio eletrônico. Tirei um peso enorme que estava
sobre minhas costas. Alívio, abro uma garrafa de vinho em louvar a Baco!
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