Duas Horas da Tarde no Brasil
No calor de uma tarde qualquer de Setembro, quando o sol cumpre
seu itinerário no horizonte escampo de nuvens, sigo meu caminho em direção a
minha faina diária. Ao longo das ruas inóspitas, de quase nenhum transeunte
atrevido a expôs a sua pele ao sol em
brasas. A essa hora, não fora a obrigação do trabalho, dificilmente eu me
arriscaria sob os rios solares de uma região equatorial onde a incidência do
calor do sol é mais intensa. Desvio meu itinerário em direção a casa de minha
Matrona, pois é sabido por mim que a essa hora o bule do café já está no fogo naquele tugúrio
suburbano. A minha matrona nem oferece o arábica, vem com uma chávena fumegante,
uma dose cavalar desse líquido precioso. Entre uma solvida e outra no café,
recebo conselhos prudentemente maternos, escuto o discorrer de sua oratória materna,
estou monossilábico agora, quase silente, a receber palavras carinhosas e censuras.
Após essa breve pausa, retomo minha trajetória natural de ainda a pouco, só que
agora cada vez mais procurando os filetes de sombra tão escassos a essa hora.
Nesse caminho cruzo aquele pequeno comércio que se encontra com suas portas
cerradas, pois nenhum desavisado cliente está disposto a comprar qualquer coisa
dispensável ou não, nessa inútil tarde de calor. Mais a frente, minha retinas
são maltratas pela claridade intensa do reflexo da luz solar no muro branco do
cemitério, a claridade do muro do campo santo faz meus olhos se contraírem para
diminuir o excesso de luz na retina,
mais a frente um burro cansado pasta os poucos cabelos de mato seco que
insistem em brotar naquele chão seco. Sigo a rota, mais adiante passo em frente
e passo por uma casa de um solitário homem, o cenário é o seguinte: ele cochila
à sombra de uma frondosa Mungubeira no pátio da casa, enquanto ali no interior
da residência um aparelho de televisão transmite um noticiário com cenas de tragédias
urbanas, mesmo assim o solitário homem dorme o sono dos justos.
Seguindo a légua tirana das cenas urbanas, atravesso o largo
da Matriz, onde um retardatário fiel faz o sinal da cruz quando se encontra
defronte a porta principal da sinagoga. Seu sinal é feito de modo apressado e
mecânico. Do outro lado da praça, um sem número de proletário de uma fábrica de
tecelagem, estão reunidos após uma pausa imprevista de seus afazeres, interrupção do fornecimento de eletricidade
impossibilitou o prosseguimento do funcionamento das máquinas.
Duas horas da tarde no Brasil, a hora exata em que eu entro em
ação. Nesse exato momento os portões da fábrica em que eu trabalho traga uma
grande quantidade de trabalhadores que em grosso número palram quase ao mesmo
tempo tornando o local uma verdadeira Babel onde ninguém se entende. Duas horas
da tarde, preciso entrar em ação, pensar menos, refletir ainda menos sobre a
Sociologia daqueles que cruzaram meu itinerário neste começo de tarde.