Calmo, silente no meu lugar, estou solitário em casa
refletindo a respeito da vida. Compartilho, automaticamente, esse pequeno lugar
tão meu e tão solitário com meus anjos e demônios do dia-a-dia. Começo a fazer questionamentos
vários. Algumas inquirições a mim mesmo. Seria possível colher num mesmo local,
todas as cenas que ocorrem mundo afora nesse momento? Teria sentido ver todas
as cena s e atos de todos tantos lugares dessa bolota chamada Terra? Como em um filme cujas cenas exporiam todos os fatos acontecidos no entorno desta
esfera habitável por nós e por outros . Há
uma lauta variedade de fusos horários, locais, paisagens, lugares. Tudo
diferente, assim como culturas, fatos e ações, pessoas várias. Provavelmente em
algum lugar do mundo, a essa hora, alguém dorme um sono profundo, um sono bom e
tranqüilo. Enquanto em outro lugar, uma alma insone tenta conciliar o sono numa
tarefa hercúlea da madrugada alta. No lar de algum país desse vasto mundo ocorre um farto banquete, mas em outro lugar qualquer desse mesmo país, um sem número de famélicos esperam as sobras
de um restaurante suburbano, às três da tarde. Enquanto um atleta percorre uma
ultra maratona esbanjando saúde, em algum leito de hospital uma jovem agoniza esperando
a hora fatal com o corpo carcomido por muitas mazelas. Há ainda a essa exata
hora um funcionário bastante atarefado trancado numa sala burocrática em meio a
arquivos, papeis e carimbos, enquanto que no mesmo instante, não muito distante daí, um homem simples realiza
a prazerosa tarefa de pescar num lago de águas tranquilas e serenas,
completamente desprendido de preocupações maiores. Também a essa hora, numa estação
de pesquisa científica na Patagônia, alguém trabalha bastante agasalhado para
enfrentar a baixíssima temperatura. Contraditoriamente, em outro lugar,
trabalhadores da construção civil buscam um filete de sombra para se protegerem
do intenso calor emanado dos raios solares. Ainda a essa hora um bebê nasce em
uma maternidade qualquer da Nigéria, enquanto na Suécia , uma esquife cruza os
portões de um cemitério suburbano no ato
final de um sepultamento. No momento igual, há um conflito armado no Camboja,
enquanto ocorre um casamento coletivo no Canadá. No mesmo instante, empresas
decretam bancarrota enquanto simultaneamente
uma mulher confere um bilhete de loteria
premiado com uma grande monta. .
Tudo ocorre ao mesmo tempo, fenômenos sociais opostos ocorrem em várias partes do mundo. Simultaneamente
a essa hora há dores e prazeres, lágrimas e sorrisos, ódio e amor, altruísmo e egoísmo
. Fadiga e ócio, lassidão e disposição corporal. Onipresença, queria ter essa
capacidade, talvez até tivesse mais inspiração para terminar um livro que venho trabalhando a anos!
Enquanto penso nesses fatos, me vejo
preso solitariamente ao vazio do meu
tugúrio numa manhã qualquer da semana, o relógio marca dez horas. Há
livros na minha estante, não li nem a metade
deles. Em cada cômodo da casa solitária há um cinzeiro cheio de guimbas
fétidas, há uma angústia poética em cada cinzeiro. Há em mim uma vontade da
onipresença, o desejo de um poder fantástico e absurdo do ponto de vista científico.
Na realidade, existe esse desejo em mim, porém o ócio me limita até minha ida a esquina numa
busca desnecessária de cigarros. É muito despautério de minha parte ter tal
pretensão.
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