quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Pequena Crônica - Haverá sinais quando eu estiver de férias - 25 de setembro de 2024


 


Pequena Crônica - Haverá sinais quando eu estiver de férias - 25 de setembro de 2024



Confinado no pequeno cubículo estavam ele e eu. Haviam muitas pessoas na casa mas estávamos protegidos pela aldabra que trancafiou-nos naquele momento. Ele não tirava os olhos libidinosos de minhas carnes adiposas.O homem me desejava e não disfarçava. O degà enfileirava  expressões de duplo sentido sem nenhum rodeio. Eu me esquivava por caminhos nos quais me passava por desentendida.  Os olhos dele me fulminavam e dizia mudamente que me desejava como um alucinado. Quase irracional. Mas ali não podia acontecer nada pois a hospedaria estava cheia de sitiantes. Na pandemia sim, só havia eu e ele, mas o puritanismo monogâmico dele não permitiu que entendesse minhas insinuações. 


Houve uma festa na noite de ontem. Era carraspana, comidas que afetam a saúde dos hipertensos e de outros pacientes. Era também um rol de gentes que saíram de casa para estar à luz da lua. Calor corporal, vento morno, pessoas próximas umas das outras. Hormônios. Gente jovem e eu lá. Seria eu ainda uma pessoa jovem? Onde estão meus hormônios.



Madrugada e eles todos ou quase todos por lá. O culto ao natalício de uma pessoa importante. Elas querem apenas se divertir. Beber no gargalo da garrafa o fogo do álcool que aquela bebida possui.


É sombra e escuridão. A barra horizontal está neste conflito neste momento. A rua está cheia de confetes, garrafas, bitucas de cigarros de toda cor. Com marca de batom ou epitélio de lábios juvenis. As pessoas que estavam naquela pândega transcendental não iriam ser oprimidas pelo trabalho escravizante daquela manhã  já de quinta feira. Todos ali querem permanecer em moto-perpétuo naquele brilho de carrossel da tertúlia. Estão todos verdadeiramente vivos.


sábado, 11 de maio de 2024

Pequena Crônica - Preciso comprar uma roupa nova para mim - 11 de maio de 2024


 

Pequena Crônica - Preciso comprar uma roupa nova para mim - 11 de maio de 2024



Céu em brasa. Há uma penumbra. A barra do amanhecer vem quebrando. (nunca compreendi bem esta expressão). Cena vista e registrada por mim, que perambulo a esmo pelas ruas escampas desta madrugada quase manhã! Ser parte dos atores que protagonizam o amanhecer de um novo dia por estas banda de cá tem sido minha missão nestes últimos dias. Pelo menos até minha relação com Morfeu ande meio arranhada! O vermelho do nascente é um quadro perfeito para uma fotografia. Brasil vem de brasa. Brasa vermelha. Vou coletando situações 

e personagens que cruzam meu caminho e realizam esta epopeia.  Aurora. Ruas inóspitas ainda. Sinto-me meio que o dono do pedaço que é coletivo e cheio de locatários. Há senhoras que praticam suas atividades físicas no derredor do campo santo. Um homem solitário vigia os poucos passantes de sua calçada. Há um zelador de um mercado público que volta de sua missão de abrir as portas daquele estabelecimento comercial. O moço é acompanhado por sua cônjuge que além de lhe ser fiel nos quesitos sentimentais é também fiel na escolta em seu temerário trajeto casa-trabalho-casa. Religiosamente ela o acompanha.


As horas avançam e o comercio de pães e massas começa a funcionar. Na tradicional birosca da Rua do Arisco há um despacho dos produtos. Um dos compradores momentâneos daquele comércio, trava rápido diálogo com o vendedor. Captei que o primeiro falava da necessidade de comprar uma roupa nova para ele. Fiquei imaginando para qual evento aquele simples homem necessitava de vestes mais elaboradas. Teria necessidade de um blazer? Um smoking? Um paletó? Não sei! Sei que suas vestes do dia a dia, são farrapos esmolambados que caracterizam sua modesta personalidade.


As horas avançam e a normalidade do espaço urbano vai tomando forma. Tudo começa a funcionar. O comércio de hortifruti, comércio de bens desnecessários. Cada um sitia seu lugar individual. E eu preciso também entrar no rol daqueles que cumprem suas rotinas diuturnamente. Tenho sono mas a obrigação de mais um dia exige que eu marche para minha obrigação. Tudo normal. Ou dentro daquilo que se estabelece como normalidade. É preciso bater o cartão e respeitar o patrão.

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Pequena crônica - 365 - 11 de Maio de 2023

 




Pequena crônica - 365 - 11 de Maio de 2023



Estou na rua. Estou nas ruas desde os primeiros raios de sol no horizonte. Só que agora já estamos no início da tarde. Ruas escampas. Eu como observador do tempo e fiscal  de aleatoriedades  vou colhendo fatos para o memorial dos desinteressados. Eu que amanheci esta jornada na aurora do dia  como uma atividade física, agora observo os jovens espadaúdos que adentram uma academia física que também tem poucos sitiantes a esta hora. No meu andar a ermo, faço contrato de locação com a praça municipal onde fico como hóspede por horas a fio.

Aqui no meu lugar de combate, colho todas as cenas que julguei úteis para este meu dia dentro da abstração do tempo. Logo mais discorrerei  algumas delas.

Outrora, havia por aqui um sem número de pombos que ocupavam as castanholeiras.As aves eram em número elevado. Havia uma senhora que em horas certas vinha alimentar as palomas com milho seco.

Hoje a realidade é outra. Os animais que ali sitiam o espaço são gatos rabugentos e magros que alguém por piedade deixa porções de ração felina. Eu não sou afeito a bichanos, não obstante minha condição respiratória de asmático e também por não endossar  a sociabilidade deles em relação aos domesticadores. Há uma relação muito falsa entre os gatos. Prefiro os vira latas e suas fidelidade canina.

Há outras cenas que se passam ainda no logradouro público. Assisto uma transação comercial onde não há papel moeda envolvida. Não que a negociação não tenha valor monetário, mas porque no escambo mercantil se deu de forma digital e não analógica.

Várias coisas acontecem e eu não consigo concatenar a sequência exata deles e é impossível registrar ou não que não foram. Há sinos que dobram em campanários altos. Há diálogos entre várias pessoa numa balbúrdia sonora impossível de se filtrar algo disto. Algumas pessoas falam comigo palavras ininteligíveis nas quais eu sinalizo concordar para não ter aborrecimento. Lembrei de um conhecido meu de longa data na qual lembrou um fato interessante: ele perguntou se eu mantinha meu alter ego em minhas composições literárias.

A moça da loja de secos e molhados me desconcerta ao passar por aqui cruzando a praça. Ela exibe uma camiseta cinzenta com o numeral cardinal trezentos e sessenta e cinco. Supus que este número tivesse relação com o tempo e fiquei mais desconcertado psicologicamente. Talvez aquele número tivesse afeto ou comiseração, sentimentos totalmente diferentes. Confuso tudo.


Sinais da natureza vindo geograficamente do sudeste indicam episódios de tempestade. Há uma outra tempestade cerebral em mim após toda esta abstração de fatos, números e sentimentos.


quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Pequena Crônica - Dinheiro - 22 de dezembro de 2022

 




Pequena crônica – O dinheiro – 22 de dezembro de 2022

 

Estando sentado a mesa que sobre ela deitam algumas cédulas de dinheiro, veio a mente uma imagem de outrora que presenciava quando criança. Nas tardes de domingo meu pai e meu tio prestavam contas da rústica sociedade entre eles. Era o momento de contabilizar as perdas e ganhos de uma de semana de trabalhos e transações comercias. Ao canto da sala, numa mesa de madeira, só os dois transacionavam. Ali era um diálogo quase sacro no qual nenhuma outra pessoa poderia se intrometer (nem mesmo minha mãe). E eu como criança, nem entendia nada e estava totalmente reprimido para intervir naquela contenda contábil. Meu genitor e seu irmão empilhavam notas sobre notas, puxavam para um lado um dos montantes, depois iam e viam em debates acalorados na maior parte do tempo. Havia ainda várias lembranças por partes deles das vendas que ficaram fiadas, dos futuros lançamentos no mercado de empreendimentos imediatos.  Assim foram estes dois minúsculos e rústicos comerciantes que fizeram parte de minha infância.

O dinheiro é um papel pintado que tem valor de mercado e economia. O escambo de objetos de maior ou menor valor determina transações mercadológicas. Li certa feita na escola uma crônica de Olavo Bilac sobre o tema e desde lá sou perseguido pelo tema. Bilac finaliza sua epopeia ao citar o rei Midas que se perdeu na sua ambição pelo dinheiro ao tocar tudo e virar ouro, inclusive sua comida que levava a boca. Tenho o livro a Origem do dinheiro do autor austríaco Carl Menger mas eu não li este compêndio por orientação de meu partido, não li nem mesmo para fazer a crítica.

Hoje o papel moeda vai perdendo o espaço e a magia do capital. Em tempos digitais, até o dinheiro é algo virtual. Até mesmo as minúsculas transações de pequenos lanches ou coisa que o equivalha. O capitalismo brutaliza até as relações de dinheiro na quase extinção do papel moeda. Se diminuem os escambos presencias, as trocas e os trocos. O papel dinheiro servia até de papel bilhete para mandar recados e correntes, mensagem cifradas. Comunicação de toda ordem. Vamos ficando cada vez mais mecanizados quando as curtas negociações passam por algoritmos frios nos quais distanciam os seres. Este é o capitalismo.

 


quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Pequena Crônica - Tertúlia - 26 de outubro de 2022

 26 de Outubro - Pequena Crônica - Tertúlia





Manhã de um dia qualquer. Dia neutro. Dia cinza. Preciso sair de minha clausura de três ou quatro dias. Minha solidão causa uma angústia desgastante. Minha respiração está opressa neste interregno eremita, mais ainda porque tenho intensificado minha condição de fumante inveterado. No autoexílio na casa de móveis arcaicos resta muito pouco o que fazer além de lê, fumar, comer algo e pouco nas horas incertas e dormir sonos assombrados e cheios de interrupções. Mantenho meus custos para a manutenção de minha existência através de um minguado montepio deixado por meu pai. Sou um dos últimos galhos de uma árvore genealógica que foi bem mais frondosa do que hoje e logo logo serie uma galho a ser podado dessa copa.

Saindo da minha bolha  cosmopolita, vou campear mudamente os limitados espaços citadinos. A esta hora equânime há poucos locatários da urbe, mas há vida. Pulsão de vida. Cenas rotineiras. Um cortejo fúnebre passa na rua do cemitério, o sino da igreja católica dobra pelo finado. Sob o campanário há anacoretas que não cessam de propalar silentemente suas jaculatórias. No lado oposto a praça há um pregão de um vendedor de bugigangas. Há ainda por ali outros sitiantes, vagabundos, vendedores de bilhetes de loterias, mães de santos, pastores e meretrizes. Todos no mesmo espaço. Ao boreal dali ficam as casas comerciais onde os clientes gastam despudoradamente seus surrados numerários. Há ainda o Ratisbona bar, um misto de café e restaurante, onde a esta hora tem apenas dois clientes: um casal de meia idade troca carícia cheio de lascívia como se eles fossem os únicos habitantes de um paraíso inóspito.

As cenas se sucedem, o tempo se gasta. E tudo isso que foi registrado por aqui me deixou chato, enjoado e lasso. Preciso voltar para meu recato, para minha bolha. Quero fugir daquilo tudo. Preciso me recolher ao meu eremitério. Preciso voltar para a penumbra. Está no meu ambiente de ar rarefeito incensado pelo fumo que saem de meus cigarros que se fumam por si só.

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Reproduzindo Vinicius de Moraes - Invocação à mulher única

 Após assistir a uma vídeo no qual o excelente escritor infanto-juvenil Pedro Bandeira recitava esta bela peça da Literatura de Vinicius de Moraes, resolvi reproduzir por aqui!





Invocação à mulher única – Vinícius de Moraes


Tu, pássaro – mulher de leite! Tu que carregas as lívidas glândulas do amor acima do sexo infinito
Tu, que perpetuas o desespero humano – alma desolada da noite sobre o frio das águas – tu
Tédio escuro, mal da vida – fonte! jamais… jamais… (que o poema receba as minhas lágrimas!…)
Dei-te um mistério: um ídolo, uma catedral, uma prece são menos reais que três partes sangrentas do meu coração em martírio

E hoje meu corpo nu estilhaça os espelhos e o mal está em mim e a minha carne é aguda
E eu trago crucificadas mil mulheres cuja santidade dependeria apenas de um gesto teu sobre o espaço em harmonia.

Pobre eu! sinto-me tão tu mesma, meu belo cisne, minha bela, bela garça, fêmea
Feita de diamantes e cuja postura lembra um templo adormecido numa velha madrugada de lua…
A minha ascendência de heróis: assassinos, ladrões, estupradores, onanistas – negações do bem: o Antigo Testamento! – a minha descendência

De poetas: puros, selvagens, líricos, inocentes: O Novo Testamento afirmações do bem: dúvida (Dúvida mais fácil que a fé, mais transigente que a esperança, mais oporturna que a caridade Dúvida, madrasta do gênio) – tudo, tudo se esboroa ante a visão do teu ventre púbere, alma do Pai, coração do Filho, carne do Santo Espírito, amém!

Tu, criança! cujo olhar faz crescer os brotos dos sulcos da terra – perpetuação do êxtase
Criatura, mais que nenhuma outra, porque nasceste fecundada pelos astros – mulher! tu que deitas o teu sangue

Quando os lobos uivam e as sereias desacordadas se amontoam pelas praias – mulher!
Mulher que eu amo, criança que amo, ser ignorado, essência perdida num ar de inverno.
Não me deixes morrer!… eu, homem – fruto da terra – eu, homem – fruto da carne
Eu que carrego o peso da tara e me rejubilo, eu que carrego os sinos do sêmen que se rejubilam à carne

Eu que sou um grito perdido no primeiro vazio à procura de um Deus que é o vazio ele mesmo!
Não me deixes partir… – as viagens remontam à vida!… e por que eu partiria se és a vida, se há em ti a viagem muito pura

A viagem do amor que não volta, a que me faz sonhar do mais fundo da minha poesia
Com uma grande extensão de corpo e alma – uma montanha imensa e desdobrada – por onde eu iria caminhando

Até o âmago e iria e beberia da fonte mais doce e me enlanguesceria e dormiria eternamente como uma múmia egípcia

No invólucro da Natureza que és tu mesma, coberto da tua pele que é a minha própria – oh mulher, espécie adorável da poesia eterna!

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Pequena Crônica - Tudo pra Ser Reunido Agora - 25 de Fevereiro de 2022

 


Pequena Crônica – Tudo para ser reunido agora

 

            Manhã de um dia qualquer. Ainda sofrendo as consequências físicas da carraspana da noite passada, mesmo não tendo sido uma pândega das maiores. Despertei hoje acompanhado por uma vontade de perambular por alhures a esmo, rua a rua. A este momento o horizonte pros lados do nascente, está carregado por nuvens plúmbeas e carregadas que denunciam a qualquer momento uma chuva. Mesmo com estes iminentes contratempos, dou início a meu itinerário errante. Nas calçadas das casas por onde passo há poucos sitiantes para esta hora tradicional de tertúlia. Passeio por ruas tortuosas e de pisos irregulares. Meus pés de anatomia imperfeita, sofrem com os impactos causados pelo sobrepeso de meu corpo, mesmo estando os pés sobre proteção de macio calçado. E por estas andanças tenho a companhia de uma vitrola portátil que trago junto ao bolso do meu “curto”. Executado pelo aparelho eletrônico, seleciono para o “convencional” o extraordinário músico Eumir Deodato e sua excelente “World Music” quase inclassificável pela mistura de influências mil da música.

            O jogo segue e o percurso percorrido pelos meus combalidos pés estão cada vez mais aleatórios. Muitas vezes pareço está andando em círculos, quase em moto perpétuo. E neste caos do itinerário, incidentalmente eu circundo a casa da moça da loja de secos e molhados. É uma modesta choupana sem nenhuma arquitetura mais elaborada, luxo ou outros detalhes que chamem a atenção de quem passa por ali indiferente no dia a dia.  É um modesto casebre num recanto de uma tortuosa rua. O frontispício urge melhoramentos. A distância se observa a sala escura e inóspita, ali jaz um varal repleto de roupas recém lavadas. Momentaneamente não surge por ali sinal que há algum locatário do local, parece que todos já saíram pra seus afazeres.

            Agora o tempo avança, e meu caminhar segue a esmo. Percorro ruas, vielas, becos e alamedas. Passo por uma casa de saúde que está bastante movimentada pois estamos num tempo de doenças sazonais. Passo ainda por um suntuoso templo religioso que está sendo preparado para receber logo mais um sem número de anacoretas.  Cruzo caminho de pessoas que me cumprimentam e de chofre respondo maquinalmente um a um. As nuvens que ainda a pouco denunciavam chuva, se esvaíram por todos os cantos e a chuva não veio. Quem domina agora o espaço é um sol que brilha intensamente. O fenômeno é a ordem de todos os dias por aqui. A temperatura sobe rapidamente. Pessoas procuram os filetes de sombras. Até os cachorros procuram guarida na areia úmida da chuva que caiu na noite passada.

            Volto para meu tugúrio e o contador de passos que eu acionei para tal tarefa avisa que eu dei aproximadamente nove mil passos desde o início desta légua tirana! Findo o expediente tendo o corpo tomado por suor. Faz-se necessário imediatamente um asseio demorado. Tudo é verossimilhança, ou quase tudo.


domingo, 6 de fevereiro de 2022

Pequena Crônica - Alhures - 6 de Fevereiro de 2022

 


6 de Fevereiro  - Pequena crônica – Alhures

 

Uma das práticas que mais encantam as pessoas é conhecer lugares desconhecidos, lugares nunca vistos e nem situados dantes. E para se deslocar, a depender da distância, faz-se necessário a utilização de semoventes. Eu na minha limitação para tal apropriação enfrento bastante dificuldades para tal. Mas hoje é mais fácil ver virtualmente as várias paisagens (urbanas ou não) mundo a fora. E é isto que eu faço nas raras horas de ócio que me são gratuitas. Hoje eu perambulei por ruas tortuosas de alguma urbe Brasil afora. (Não citarei que cidade é esta e muito menos qual bairro). Como citado, as ruas e vias urbanas são tortuosas e sem nenhum planejamento urbanístico. Nenhum traço de enxadrezamento da construção das ruas, vielas, becos e alamedas.  Percorro aleatoriamente as ruas sem me preocupara com os prédios ou paisagens naturais que cruzarão meu caminho. Há prédios de vários pavimentos sem nenhum rigor de engenharia ou arquitetura. Verdadeiros monstrengos que parecem que cairão a qualquer momento. Há um largo e uma praça pública mal assistida pela máquina estatal. Campeiam por lá os invisíveis sociais que o sistema econômico/político produziu. Há uma birosca pouco espaçosa que tem mesas e cadeiras na calçada atrapalhando os transeuntes do local. Há uma igreja onde poucos fiés foram flagrados a esta hora da manhã ( suponho que o registro fotográfico foi numa manhã de sol!). O espaço urbano se expande de forma infinda e eu cesso meu passeio virtual.

As horas avançam, minhas obrigações do lar precisam ser cumpridas. Preciso cumprir horas e tarefas para ser um eterno escravo do tempo. Preciso planejar as lides diárias desta semana que começará daqui a poucas horas. Consulto o aplicativo de mensagens para saber a que horas a moça da loja de secos e molhados o consultou pela última vez. Já é um tempo razoável desde da última vez. Estico a vista e aprecio um pequeno morro que fica ao fundo do meu quintal. Preciso voltar a rotina, preciso voltar a normalidade imposta. Hoje é mais um dia no calendário. Tudo se deu num átimo e eu comprei tudo isto sem dinheiro.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Pequena Crônica do Natal - 24 de Dezembro 2021

 Pequena Crônica do Natal


Hoje é natal, mesmo que haja controvérsias quanto a data exata do nascimento de Cristo, hoje é natal.  Se pensarmos com o sentido espiritual e transcendente, pouco importa a data.


Outrora eu acreditava em um Papai Noel fantástico e onipresente que visitava todas as casas de todas as crianças do mundo numa noite só. Depois cresci e fui entender as condições precárias nas quais nasceu Jesus Cristo. Fui compreender que as palavras Estábulo, estrebaria e manjedoura foram romantizadas para os termos curral, cocheira e outras palavras vulgares. 


Anos mais tarde eu fui celebrando precariamente  cada data do Natal nos mais distantes e profundos rincões de nosso país. E os os ornamentos das festas eram extremamente pobres e desprovidos de luxo de qualquer natureza.


Passados muitos anos, e já nas grandes urbes, vi presentemente a desigualdade social daqueles que ficam à margem de todo o Natal e por conseguinte da sociedade em geral. Pessoas desalentadas e abandonadas pelos donos do poder. Que Natal é este onde pessoas não têm as condições mínimas de se alimentar e realizar higiene pessoais básicas? Onde estão os donos do poder? Por que a opulência do Natal de outras pessoas, dos vários lares, não chegou até aqueles locatários das ruas citadinas? Ruas tão desprotegidas e tão inseguras!


O Natal não é apenas uma data que se repete no ciclo do calendário. Calendário este que é justamente regrado pelo próprio natalício daquele que vem nascer na noite de hoje. Esta data é para que possamos nos tornar humanamente mais humano e enxergar no outro alguém que é meu semelhante e humanamente igual a mim e a todos.




segunda-feira, 19 de julho de 2021

Pequena Crônica - Ele não é um peso, ele é meu irmão - 19 de Julho 2021

 

Ele não é um peso, ele é meu irmão

Noite qualquer. Não tenho saído mais as noites. Meus hábitos estão diametralmente opostos ao dos vampiros. Me encontro na rua principal da pequena urbe e constato que muita coisa mudou por aqui ou ali. Outrora, não faz muito tempo, nesta pequena alameda, as calçadas eram sitiadas por locatários deste espaço semi público. Em dias de hoje tudo está diferente. Os espaços das calçadas das casas foram tomadas por vazios por quase toda extensão da rua. A esta hora da noite e nas próximas horas profundas, mais ainda. Não que a formação do elenco dos que ali habitam tenha sido sofridos mudanças na composição, embora os mais jovens tenham buscado outras paragens nos grandes centros urbanos das maiores cidades. Tudo bem que os locatários mais velhos tenham se enfastiados daquelas práticas de outros tempos e que o celular individualizou mais ainda os indivíduos. Só sei toda esta cena mexe comigo e me causa uma grande estranheza! Merece destaque nesta rua ainda a grande loja de secos e molhados que fica funcionando até altas horas da noite e atrai consumidores sedentos por coisas totalmente supérfluas para o consumo individual.

O relógio acelera e estamos no “Day After”. Manhãzinha no centro comercial citadino. Os rentistas do escambo mercadológico, ainda afetados pela última crise, estão em processo de recuperação lenta e gradual. Na esperança de um “upgrade” em seus negócios eles ali chegaram quando as sombras da noite passada ainda se despediam. A crise fez crescer pelas cercanias do comércio, o número de pedintes famélicos. Aumentaram ainda os vendedores de bilhetes do jogo do bicho (sempre o jogo alimentando a esperança do dinheiro fácil), os operadores de motocicletas em regime de entrega de encomendas. Na esquina da rua direita com a rua Nova, um jovem motoboy ouve em seu smartphone de som estridente e agudo uma canção em inglês do cantor Bill Medley. Ele não compreende uma palavra da língua de Byron. E eu também não entendo bem a metáfora que o Yankee quis transmitir naquela música, naquela língua! Caso o jovem da moto tivesse consciência de classe, estaríamos nas fileiras daquelas que fazem a revolução contra o sistema estabelecido! Ele não é um peso, ele é meu irmão.

As horas avançam com uma velocidade naturalmente maior mais uma vez.  E mais e mais.  Minha cabeça está cheia de ideias. Ideias profusas e caóticas. Elas chegam como uma tempestade cerebral. Tal qual uma Brainstorming as ideias pululam em meu limitado cérebro. Preciso de um local sossegado para domar estas ideias e pô-las em ação. Preciso repor meu déficit de sono de várias noites passadas. Preciso cumprir minha obrigações dionísicas da noite de sexta feira. Preciso guardar meu segredo bilateral ( ou seria unilateral?) com aquela mulher. Preciso encontrar um pouso alegre na meditação teológica. Preciso não enlouquecer com a situação social e política convulsionada da nação brasileira. Vou dormir antes que eu seja engolido por isto tudo.